:: manifesto ao pudor

outubro 28, 2014



pudor é uma palavra que me chateia. acima de tudo porque viveu tempo demais no meu dicionário de costumes. apesar de em casa, felizmente, ter tido uma educação sem pudor (com um à vontade saudavelmente leve em tudo o que toca à relação entre pessoas, corpos e a forma de os encarar), fui formatado desde cedo a ter um determinado nível de pudor - na escola, no meio social, no circulo de amizades. mas se há coisa que vem com a idade, é a capacidade de entender o que nos faz bem e o que nos castra. e o pudor é, acima de tudo, limitador de qualidade de vida. de poder viver mais. mais dos outros que nos rodeiam, mas muito mais do que cada um de nós é.

primeiro elimina-se o pudor das palavras que usamos. somos excessivamente lamechas, ou brutos, ou sinceros? e depois? merda para quem nos diz que devemos evitar dizer o que nos vai na alma. sem pudor e com toda a sinceridade do mundo, voto em quem diz tudo, com a maior espontaneidade do mundo: 'é lindo esse teu cruzar de pernas', 'a tua boca excita-me quando me lês', 'encosta-te à minha cintura e sente como te desejo'.. lembro-me especialmente de uma vez que telefonei, a quem tinha acabado de sair do carro, só para dizer o quanto me estava a deixar louco de vontade, vê-la atravessar a estrada, naqueles calções curtos, em cima dos saltos de pé despido - e o riso dela, quando me olhou ao longe, de lábio mordido, foi único. não, não somos menos emocionais, ou apaixonados, por desejarmos um corpo. pelo contrário, o maior sentimento junta carinho e carne. junta prazer e amor. gritos lânguidos e lágrimas de emoção.

porque acima de tudo, é na forma de vivermos o corpo que o pudor atrapalha. só nus, pele na pele, podemos ser nós por inteiro. sem vergonhas, sem timidez. só assim podemos viver tudo o de bom que um corpo tem - especialmente o de quem amamos. cada pedaço de pele tem de ser amado e desejado em simultâneo. conhecer, dedo a dedo, o detalhe do ombro, a cova das costas, a curva da perna, a inclinação do pé. conhecer cada movimento dos lábios, cada ponto que treme quando se aperta, cada ponto que emociona, quando se pára o movimento no olhar ofegante.
porque não há nada mais bonito de amar que um corpo nu: quando anda aos pulos pelo corredor da casa, quando se senta no balcão da cozinha a beber o ultimo café, quando volta para o quarto de sorriso safado e se encosta no frio da cama. quando ama aos gritos. quando se entrega ao prazer. quando diz quero'te de olhos em choro. quando adormece abraçado depois. mas, mais bonito, quando desperta nu, por cima dos lençois, com a primeira luz da manhã. é nesse momento, em que acordas nos meus olhos, que soltas o teu riso mais puro..
deve ser por isso que bem cedo, em jeito de aviso me disseste: 'no meu dicionário, pudor e amor são duas palavras que não cabem no mesma frase'. e eu acreditei logo.

:: tempestades

outubro 14, 2014



tenho um certa adoração por tempestades. especialmente pelas que vêm fora de época - no meio de um outono ainda quente. o céu começa a ficar vermelho, o ar aquece em versão sufoco. nos primeiros pingos sente-se, no cheiro das ruas, que qualquer coisa vai acontecer. de repente, em modo chuveiro, a água cai não se sabe de onde. mas continua quente: por isso sabe bem deixar a camisa ficar molhada, a cabeça mais fresca, os olhos a escorrerem qualquer coisa entre chuva e lágrimas. em cada trovão, estremece-nos o chão e ilumina-se o lusco fusco. quase lânguida, a tempestade chega, envolve-nos, tira-nos a respiração, e vai embora lentamente. imponente. leva o cinza nubaldo atrás, e deixa de novo o céu estrelado, e a lua cheia na noite limpa.

tenho uma certa paixão por tempestades. porque são românticas, na maneira como levam ao limite a tensão (vibração) entre os elementos. aliás, romântico é amar durante uma tempestade. a chuva lá fora, o vento a bater na janela, o quarto que escurece naquele cinza vermelho de fim de tarde. o abraço fica mais próximo e o lençol - num misto de arrepio e frio -, esconde o desejo dos corpos nus. quase escuro, são os raios que nos iluminam o rosto, preso no olhar do outro, a respiração que se confunde com os trovões, o chão que estremece, seja lá do que for. a tensão sobe, grita-se, sente-se, entrega-se, ama-se. ama-se muito. e depois? depois a tempestade vai. os corpos sossegam, exaustos da energia solta, da tensão que se libertou. e a tempestade vai embora, lentamente, e deixa atrás um olhar limpo, um lábio mordido num sorriso, e um silêncio, a dois, olho no olho, que diz tudo sem precisar falar. imponente.

tenho uma certa necessidade de tempestades: as nossas. são pura catarse. liberta-se a energia má, a tensão acumulada. grita-se, berra-se, chama-se idiota, dramático, bruta.. diz-se foda-se, bem lá do fundo da garganta. e foda-se, que bem sabe poder andar aos pulos descalço pela casa, ouvir musica aos berros, dançar sem ritmo, dar uns murros nas almofadas, e cantar alto, bem alto, como se fosse uma bateria enfurecida. grita-se, mais para dentro do que para fora. estremece-se, não o chão, mas o corpo quando chora, quando se aperta em dor, quando se abraça, sozinho, em sufoco, no fim da discussão. e depois? depois, a tempestade vai. a energia acaba, as lágrimas secam, como a chuva que acabou. e a tempestade vai embora, lentamente, leva as nuvens pesadas atrás e deixa de novo o que sempre lá esteve: o céu limpo, e a nossa eterna lua. porque é igual no amor: as únicas coisas que temos por certas, não são as que passam por momentos, mas as que se sabem que estão lá sempre. imponentes.

:: proporcional

outubro 04, 2014



mais que equilíbrio, estabilidade, ou racionalidade, prefiro agarrar-me sempre à proporcionalidade para me guiar no dia-a-dia. proporcionalidade no sentido, não de me balizar entre dois limites, mas pelo contrário, de ter a capacidade de ir aos extremos de todos os limites, mas de forma a viajar sempre pelo centro da minha linha - da minha coluna. seja no que se faz, na música que se ouve, nas palavras que se dizem, gosto das pessoas que não sendo equilibradas (de todo), são de alguma forma proporcionais nos seus extremos: sabem ir de um limite a outro sem terem de mudar a personalidade, ou a forma como vivem. porque mais do que saber ao certo o que alguém vai fazer (nas pessoas certinhas), é bem melhor saber que o vai fazer daquela forma que se gosta (nas pessoas de loucura saudável).

exemplo máximo, uma mulher só é bonita se for proporcional. baixa ou alta, mais magra ou mais forte, mas proporcional nas suas formas. é daí que vem a beleza, do equilíbrio das partes, do enquadramento. tal como a roupa que veste. tem de ser proporcional ao contexto: se mostra as pernas, esconde o peito, se mostra um ombro, esconde o outro. se é em casa, descontrai, quase despe-se naturalmente. se é à noite, deixa algum brilho no tecido, num pedaço de cinto ou num sapato mais alto. se é no trabalho, deixa uma certa seriedade, misturada com algum arrojo bem disposto. uma mulher tem de ter o riso proporcional ao mau feitio, a doçura proporcional à dificuldade em a entender. e a sensualidade proporcional à capacidade de, no mesmo segundo, ser também a mãe mais séria perante um filho.

já nos amigos e nos amores, há quem defenda que devemos dar em função do que os outros nos retribuem. quase contabilizam os telefonemas, os convites, os jantares que se tiveram. quase contabilizam os anos que já se viveu para poder decidir o futuro. casar? ter um filho? ah, ainda é cedo.. pois, também aqui prefiro a proporcionalidade, não em função do que damos ou recebemos, mas, em função do que vivemos. há pessoas que ao fim de três semanas juntas decidem ter um filho. loucos? não, se o que viveram nessas três semanas supera o que se viveu antes em meses e anos. hoje, sei que quando se ama a sério, vive-se em proporção da dimensão do que se sentiu, do que se descobriu junto. seja em horas, dias ou meses.. ás vezes, juntos, isso é bem mais que uma vida inteira separados. e aqui, ama-se, mais do que por palavras, por actos. mais do que por vontades, por atitudes. e essas sim, têm de ser proporcionais às intenções. ama-se, não em proporção à razão, ao racional, ao lógico, mas em proporção à magia do que já foi, à alegria do que é, e à certeza do único que vai ser..

:: mind pleasure

outubro 02, 2014



na vida, vamos aprendendo a ter prazer por camadas. como se fosse uma pirâmide que se sobe, degrau a degrau, cada vez com sabores novos. prazer no que fazemos, no que gostamos, do que vivemos. de quem vivemos. e da forma que vivemos esses que nos rodeiam. primeiro, na base da pirâmide os básicos - o que nos conforta as necessidades primárias: o que nos aquece no frio, como uma manta, ou o colo de uma mãe. o que nos refresca no calor, como uma banho de mar, ou uma corrente de ar na janela aberta. depois o que comemos, o doce, o salgado, o gelado, o picante. e ao longo da infância vamos aprendendo mais um rol de prazeres simples, que nos entram nos dias.

quando começamos a ganhar alguma maturidade passamos a outro nível da pirâmide. os prazeres que passam do físico para a capacidade de apreciar: uma música, uma pintura, um texto. um corpo. aprendemos a gostar de ouvir, de ler, de ver. aquele gosto na descoberta sempre de algo novo. viajamos, pesquisamos, encontramos: lugares, imagens, pessoas. e neste ritmo de layers que se somam vamo-nos realizando, crescendo, desenvolvendo a capacidade de apreciar. já adultos descobrimos o prazer de fazer. de ver acontecer coisas que saíram das nossas mãos, das nossas ideias. no trabalho, na profissão, em casa - as festas com os amigos, os jantares demorados, os presentes simples, mas cheios de significado. descobrimos o prazer de criar, mais que coisas, momentos que se partilham com quem se gosta.

mais reservado, é único o prazer de ter pessoas felizes em nós. primeiro o prazer do namoro, do flirt que fica sério. do sorriso que fica emoção. depois os mil prazeres do corpo. dos corpos que se tocam, que se devoram noites dentro, cada vez mais íntimos. mas prazer a sério, é aquele que passa pela inteligência, pela descoberta de alguém tão igual na forma de viver, não nos dias, não no corpo, mas na alma. prazer a sério é ter quem diz as mesmas coisas, no mesmo momento. que percebe aquela música, mesmo sem a ouvir. prazer a sério é passar horas a falar do nada, e ser feliz só por isso. é passar horas apenas a estar, a respirar o outro, e sentir que esse é o ponto mais alto da pirâmide. ou não. porque pode (deve) haver sempre algum prazer maior a descobrir. ou mesmo a criar. e esses passam sempre pela forma como conseguimos ligar-nos a alguém. e como, duas pessoas, juntas, conseguem (devem) subir sempre mais um degrau. na forma como vivem os dias entre sorrisos tontos, mesmo os mais difíceis. na forma como se deliciam - languidamente - na inteligência do outro, mesmo em silêncio. na forma como se emocionam no prazer do corpo, mesmo sem se tocarem sequer. degrau maior, é descobrir na pele que 'amo't', às vezes, é uma palavra já tão curta para tanto do prazer que se vive. junto.

:: respirar

setembro 19, 2014



quando andava nas lides da natação, sempre me fascinou a capacidade de gerir a respiração. e de como, mais que a técnica, isso era importante para os tempos da pista. porque podemos saber nadar muito, ter força, ter ganas, ter vontade, mas se não conseguimos gerir o fôlego, tudo corre mal: o ar começa a faltar, a coordenação dos braços vai-se, e as forças apagam-se no sufoco. engraçado como se passa o mesmo na vida: no trabalho, nos dias, nos amores. se vamos devagar demais, adormecemos a vontade, baixamos o ritmo e perdemos o comboio. se aceleramos demais, saltamos os carris, e descontrolamos o corpo até nos estamparmos exaustos. tantas vezes que nos sentimos sem forças, sem alento, como se o ar, lá acima da água, estivesse longe demais.

por isso é tão importante gerir a respiração. e aqui, num sentido mais apaixonado, a forma como se respira a dois. porque é preciso dar espaço para as mudanças de ritmo. hoje, dia cinzento de chuva, chegar a casa e respirar lentamente, por entre a primeira coberta do ano, um café quente e quatro pés enroscados. ou nas noites quentes, o oposto: acelerar o fôlego, sair madrugada dentro, brindar na calçada, ver o luar no rio, e chegar a casa já meio despidos, de respiração acelerada.. e acabar, de novo, de quatro pés enroscados, muitas braçadas depois. gerir o ritmo a que se respira a outra pessoa é a forma mais séria de amar. e de se querer. porque gostar demais também sufoca..

mas difícil mesmo, é quando contra a nossa vontade, se tem de dar espaço para respirar. porque nem sempre o fôlego, as forças, ou a capacidade de nadar é a mesma. às vezes, os ritmos descoordenam-se e a vida afasta-nos, não do que se quer (muito), mas do que se consegue fazer. quando se ama, damos o melhor, e por vezes o melhor, porque muito que nos custe, é dar o espaço para respirar, para viver, para o outro parar a cabeça bem longe de nós.
e não o fazemos em jeito de favor, ou de pena, mas num sentido muito certo que afastar, às vezes, é a forma de ficar mais perto. não porque se desiste, mas pelo contrário, porque se é forte ao ponto de dar um passo atrás, para, quem sabe um dia, conseguir dar dois à frente. o amor, quando é verdadeiro, volta sempre à sua casa. mesmo que precise de sair porta fora, louco, sufocado no turbilhão dos dias arrastados. o amor, quando é verdadeiro, apenas sai, para entrar de novo, de fôlego recuperado. porque há portas que ficam sempre abertas. para a vida..

:: a espera(nça)

setembro 09, 2014



se há coisa muito latina, ainda mais que a saudade, é a esperança.
e quer uma, quer a outra, são atestados de fatalidade. porque fica-se na saudade, quase como alívio de não se ter. porque fica-se na esperança, quase como lamento de não se ter conseguido. "era bom, mas que fazer: resta esperar". e como sedativo da alma, canta-se o fado, bebe-se um copo, que quem espera sempre alcança (mentira). afogam-se as mágoas num ombro amigo e espera-se. espera-se que o mundo se vire para nós, espera-se que o trabalho fique melhor, espera-se que o outro apareça naquela esquina. ou então não. não se espera: faz-se. se o mundo não roda, rodamos nós no mundo, se o trabalho não melhora, fazemo-lo nós ficar diferente. se o outro não aparece, viramos nós a esquina.

é que fazer, significa que se acredita. que é bem diferente de - apenas - ter esperança.
a esperança é um ilusão. acreditar é uma decisão. ter esperança é ficar parado a contar que o mundo mude pela acção de alguém. já acreditar é fazer o mundo andar - é fazer todos os dias alguma coisa, mesmo que infimamente pequena, para que o mundo ande, para dê um passo em frente, ou pelos menos, para que levante o pé. na esperança ficamos sempre nas mãos dos outros: quase conforto da inércia, alguém - ou o destino -, hão-de fazer por nós. pelo contrário, quando acreditamos de verdade, tomamos as decisões nas nossas mãos - ninguém fará melhor do que nós. porque todos podem dizer que não é possível, que não vai ser verdade, que não existe. mas quando se quer de verdade, não se espera para ser: faz-se. não se aguarda: luta-se. porque eu não espero que alguém consiga: eu sei que eu vou conseguir.

é por isso que eu já não tenho esperança. matei-a.
deixei-a afogar-se nas lágrimas tontas da tua ausência, no aperto das saudades que julgava ter, mas que eram mentira. tenho falta, tenho vontade de ti, mas nunca saudades. porque só se tem saudades do que se esqueceu, e tu, estiveste sempre aqui, estás aqui, todos os segundos. eu não tenho mais esperança na nossa história: isso era ficar parado. não, o destino já nos juntou de uma forma tão improvável, que agora está tudo nas nossas mãos - sem esperanças, mas com muitas certezas. porque quando se acredita é-se fiel. não a alguém, não a uma fé, não a um destino. é-se fiel ao que se quer. e essa é a maior alegria do mundo: saber o que se quer. sem esperanças falsas na ilusão do que vai ser, mas com todas as certezas do que se faz, todos os dias, para ser. e é essa a alegria que me dá força: é eu saber que te quero. é eu saber que nos queres. cada dia mais..

:: e apesar de tudo, rimos

setembro 01, 2014



e apesar de tudo, rimos.
essa - o riso - deve ser a qualidade que mais admiro nas pessoas. e não estou a falar daqueles que animam as festas com mil piadas e anedotas já de carreira. não, falo daqueles que tem sempre um riso para combater os dias maus. e um riso ainda mais forte para celebrar os dias bons. conheci na vida pessoas fantásticas nesta arte. algumas que já partiram, e que juro, tiveram os risos mais puros quando confrontadas com a pior noticia. risos de dor, pela partida iminente, mas de imensa gratidão por tudo o que conseguiram viver. deve ser por admirar tanta esta qualidade que me irritam os queixinhas profissionais, os desistentes prematuros, os chorões permanentes: aquelas pessoas para quem está sempre tudo mal, o mundo é injusto, o país é uma merda e tudo lhes acontece. bullshit, peguem num sorriso e façam-se à vida. que ela custa a todos. haja saúde.

e apesar de tudo, rimos.
essa - o riso - deve ser a marca mais bonita de uma relação. de amigos, de irmãos, de amores. a capacidade de rir no fim: no fim do dia mau, no fim de uma discussão, no fim de um choro compulsivo. quase obsessão, só sossego quando roubo um sorriso antes de me despedir dos meus. antes de os meus pais saírem de minha casa depois do fim-de-semana, antes de qualquer amigo desligar o telefone, antes de adormeceres, ali, na almofada ao lado. um dia bom tem de ter vários risos, uns de parvoíce, outros de gozo com nós próprios (que melhor há do que rir de mim próprio?), outros de tonterias que se dizem no meio de conversas banais. e um dia bom tem de ter ainda vários tipos de riso: aqueles discretos, que saem do nada e demoram apenas dois segundos; aquelas gargalhadas enormes, despregadas, quando nos mexem nos botões certos da ironia; e aquele riso silencioso, quando só os lábios mexem ao ritmo do brilho dos olhos - são risos quase de admiração, que dizem: tonto, se soubesses como é bom é ser feliz ao teu lado..

e apesar de tudo, rimos.
esse - o riso - deve ser o gesto mais bonito entre dois amantes. único, quando se ri no meio de uma noite de amor, antes dos gritos, depois dos beijos. único, quando no meio de um jantar de amigos, os olhos apenas se cruzam, e rimos em silêncio, no meio da conversa solta. único, quando te abro a porta já com uma piada estúpida de gozo, apenas para te fazer rir e soltar o tédio - cómico mesmo, como te irrita a ti própria, que eu te faça gargalhar nesses momentos.
mas a prova maior de um amor, é quando mesmo no meio das coisas más, apesar de tudo, rimos. porque a vida não vai fácil, tudo se demora, tudo se complica. as opções que parecem as melhores, descobrem-se sempre as mais lentas. mas entre a dificuldade do fazer, e a certeza tão grande do querer, o riso é mesmo a nossa melhor arma. porque rimos muito, como nunca. e rimos a sério: sobre o amor - lamechas, sobre o corpo - safado, sobre a alma - igual. mas sabes, rimos acima de tudo pela alegria simples que é estar junto - é a diferença entre amar, e ser feliz a amar..

:: vai dar certo

agosto 21, 2014



ao longo da vida fomos ensinados a limitar o que nos rodeia. primeiro o tempo, ou o que fazemos dele: a escola que tem horários, o sono que tem horas, as refeições que tem tempo. as férias que tem só aqueles dias, ou o trabalho que tem um relógio. depois limitaram-nos as opções: os gostos, as vontades, o que se veste, o que se ouve, o que se quer. e por fim, viciaram-nos as emoções, com tanta teoria e conselho sobre o que é amar, o que é uma relação, uma família. mas todos estes limites tem uma premissa perigosa por detrás: o querer racionalizar tudo, explicar tudo. é isso que os computadores fazem: nunca erram, porque vivem nos parâmetro da lógica. e é para isso que fomos programados: para ter um sentido objectivo em tudo o que fazemos.

pois, alguns de nós, os que querem (sabem) verdadeiramente entregar-se, conseguiram ao longo da vida libertar-se destas amarras: trabalhamos só quando achamos que sim, dormimos pouco, trocamos os dias pelas noites, o sol pela lua, a televisão que desligamos, pela música que veneramos. trocamos a poesia rimada, pela prosa livre. trocamos as ruas cheias de dia, pelas vielas onde nos beijamos à noite. e foi assim, sem limites, que aprendi a entregar-me a tudo sem medo: aos projectos de trabalho mais loucos, às opções mais arriscadas, aos caminhos menos óbvios. louco dirão alguns. sim, muito. mas é graças a este nível bom de loucura que consigo esticar a mente - e a alma. na profissão, em que misturo mil campos diferentes, na vida, no salto constante entre modos de estar e aproveitar. na personalidade: que, sem limites, goste-se ou odeie-se, é cheia de erros, mas única, e impossível de formatar num tipo, numa etiqueta. numa lógica.

e tem dado jeito, muito jeito, saber, por amor, esticar os limites. os limites do perdão, do querer, os limites da angustia que se suporta, da vontade férrea que segura. o saber dar, não para receber, mas pelo prazer de fazer alguém feliz em nós. porque aqui trocamos os amores racionais pelas paixões loucas. trocamos a segurança de uma relação, pela constante inquietude de uma alma gémea. trocamos o sono calmo, pela insónia junta em conversas tontas. trocamos o conforto do pijama da noite, pelo toque do corpo nu da manhã. porque rimos depois do choro, amamos em vez do sexo, gritamos depois do abraço, porque magoamos, antes de cuidar. sim, fazemos tudo ao contrário, fazemos tudo errado, mas no fim tudo certo - porque pode não ter lógica, mas tem uma vontade: viver com quem já está em nós. e se há coisas na vida que se lutam sem limites, o amor tem de ser uma delas. mesmo que corra mal. uma vez. ou duas, ou três. porque, como me disseram baixinho no outro dia: "vai dar tudo certo. e se não der, nós fazemos tudo outra vez.."

:: anti-gps

agosto 09, 2014


esta coisa de amar está-nos sempre a pregar rasteiras. não daquelas que magoam, mas daquelas quase brincadeira, que nos abanam e fazem soltar um riso: - oh, parvoíce, nem te estava a ver e tu aqui a minha frente!! porque, ás vezes, não vemos o óbvio e tropeçamos: deixamo-nos acomodar e não conseguimos perceber a evolução, a mudança, as novas formas de mostrar o que se gosta, o quanto se quer. mas é precisamente essa mudança que torna um amor mais forte: não é o mantermos sempre os mesmos rituais, a mesma forma de dizer amo-te. é precisamente o contrário que mantém a chama acesa: o haver sempre uma maneira nova de mostrar, de sentir, uma maneira nova de ser feliz. de fazer, quem queremos, feliz.

não há nada pior do que tornarmo-nos previsíveis no amor. podemos saber com o que contamos, isso é bom. devemos saber como o outro vai reagir, isso é bom. mas nunca é bom ter ao lado alguém previsível. é bom ter uma base que nos sossega, mas perfeito é ter um topo que nos deixa sempre ansioso: sempre na expectativa de uma pequena surpresa, uma pequena foto, uma mensagem, uma taradice nova, um gesto inesperado. que nos tolda - de emoção, de desejo, de riso, ou simplesmente de carinho. é por isso que não gosto dos GPS. porque gosto de conhecer o mapa da estrada, mas prefiro deixar ao acaso a escolha do caminho. maravilhosas as ruas que descobri sempre que me perdi. como maravilhosos todos os momentos imprevisíveis entre chegares a casa e adormeceres no quarto. porque o mapa é sempre o mesmo, mas todas as noites o caminho é diferente. é novo.

às vezes jantamos, outras vezes apenas bebemos. às vezes passamos horas a ouvir musica, outras vezes apenas contamos o dia-a-dia. às vezes lemos os nossos textos. e rimos. e choramos. às vezes fazemos amor louco, outras vezes namoramos à janela como dois adolescentes tontos. as vezes adormecemos num filme, outras vezes acordamos os vizinhos com o nosso filme. às vezes o suor toma conta de nós. outras vezes apenas o cansaço nos tolda os braços.
mas seja qual for o caminho, sabemos sempre para onde vamos: o sossego no outro. no trajecto há sempre uma forma nova de querer - no sorriso, no abraço, na companhia, no corpo. todos os dias diferente. imprevisível. mas é o fim - o sono junto - que nos traz a paz no outro. como tão bem me explicaste ontem, não precisamos de gps, nem de trajectos marcados, nem de linhas traçadas, para chegar aqui. porque amar de verdade é isso: é ter a confiança, a certeza, a vontade férrea, de, qualquer que seja o caminho, sabermos sempre o destino: o nosso sono junto. tu, no meu peito, feito porto. eu, na tua mão, feita âncora..

:: não te beijar apenas

agosto 06, 2014



não gosto de te beijar.. apenas.
não, tem que ser mais que isso, tem que ter um sentido. um beijo tem que ter uma finalidade, ser parte de algo maior. por isso quando te beijo, não te beijo apenas - sabes isso, não sabes?

no meio da rua, em cima da mesa do restaurante, ou naquela esplanada, quando te beijo não é apenas para sentir os teus lábios. não, é também para te dizer como sabe bem estar ali contigo, num momento tão desprendido, mas tão serenamente bom. adoro os beijos que te dou quando fico ali, apenas, a ver-te chegar do outro lado da rua. por isso, nessas alturas o beijo é leve, quase que te apanho desprevenida, toco-te os lábios, lento, mas fujo logo de seguida. e fico do outro lado da mesa com aquele sorriso de puto que te roubou um beijo, com aquele olhar tonto que diz: é tão estupidamente simples ser feliz ao teu lado..
já em casa, quando te beijo no sofá a meio da série, ou daquela musica, ou quando nos cruzamos no corredor, ou apenas ali pela cozinha, o beijo é de intimidade. aquela intimidade de quem partilha os pequenos momentos de um dia caseiro como se fossem poesia. o beijo continua leve, solto, quase seda a tocar nos lábios, mas já demora mais. já tem um braço que o acompanha e te prende a cintura, já tem uma mão te pega no pescoço e segura o rosto. já tem dois pés descalços, que se juntam aos teus, apenas para sentir a pele fresca no chão da cozinha. e depois do beijo continuamos apenas. continuamos a ver a série, a acabar o corredor, a terminar o jantar. mas com aquele sabor na boca: o sabor do outro.

e há também aquele beijo a que chamas safado, porque já sabes que não é apenas um beijo. não - é um ritual de ataque, de despertar do desejo. aquele beijo que te desafia, que chega perto da tua boca o suficiente para sentires o ar que respiro, devagar, mas sem chegares a sentir os meus lábios. tu atacas e eu fujo. eu beijo-te e tu sacodes-te para trás. e ficamos ali a brincar ao desejo, a trincar o ombro - que tens sempre despido-, a massajar o pescoço, a prender-te o pulso, a cruzar as minhas pernas contra as tuas. aquela dança de beijos, que se trocam, que aceleram a respiração, que aquecem a pulsação.
e depois, há o nosso beijo.. aquele quando chegamos ao mais puro dos momentos, em que o beijo é tão descontrolado como nós. às vezes mordes, outras vezes apenas queres silenciar os teus gritos. às vezes brincas com o calor da tua boca, outras vezes não chegas sequer a beijar - ficamos ali, bocas a 2 cm de distância, quietos, num grau de inclinação curva perfeita, quase parados, olhos nos olhos, enquanto todo o resto do quarto se mexe. até que o furacão passa, o corpo acalma e a alma explode em lágrimas, que caem lentamente do meu olho para o nariz, do meu nariz para os teus lábios. e aí, finalmente, beijo-te. num beijo tão demorado como o que te quero dizer: que ali, naquele momento, és a minha casa. és a minha paz. és a parte de mim que sempre senti falta, sem perceber sequer o que me faltava. por isso, quando te beijo, não te beijo apenas - sabes isso, não sabes?

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