:: descalçar

outubro 13, 2013



os pés, sendo das partes mais resistentes do corpo, são também das mais sensíveis.
bipolaridade estranha esta entre força e sensibilidade, mas que nos transmite sensações únicas, e que é tão negligenciada: fala-se do coração, do olhar que se cruza, do toque das mãos. mas dos pés, parentes pobres, pouco se diz, quando exprimimos sensações.
ora, caminhar descalço é das melhores coisas do mundo. num areal vazio, a andar horas entre a areia e o mar que chega em ondas pequenas. enterrar o pé na areia, ou molhá-lo beira mar. ou num jardim, no fim de uma tarde quente de verão, na mistura entre o cheiro da relva e o toque na sola do pé. ou simplesmente passar uma tarde sentado na beira de uma piscina, entre sorrisos e conversa disparatada, com os pés sempre a dançaram dentro de água..

vício meu, a primeira coisa que faço quando chego a casa - depois de pôr música no on-, é descalçar-me. desmontar a roupa, o fato, os sapatos, as meias. libertar do dia e entrar em modo home. no verão, sempre descalço para sentir o fresco do chão da casa, especialmente do azulejo da cozinha, ou para aquele momento infantil, em que danço descalço em cima do tapete peludo. contraponto ao inverno, em que sabe bem sentir o pelo da manta do sofá, ou aquele pedaço de madeira quente, junto ao fogo da lareira. no inverno, gosto de andar com algo quente que se calce, mas sempre sem meias, para rapidamente poder descalçar-me e ir ao encontro de outro pé, ou de uma mão que os massaje, só como desculpa para estar ali perto, a acariciar.

porque bom mesmo, é sentir o pé de alguém a tocar no nosso.
ao almoço, por baixo do balcão lá de casa, ou embrulhados no sofá a ouvir música. no fundo das toalhas de praia, quando saltamos da nossa para a toalha vizinha só para sentir a pele fresca e o toque suave. ou nas noites quentes, em que sabe bem dormir com aquela distância de ar entre os corpos, mas sempre com a ponta dos pés a tocarem-se. ou nas noites frias, em que os pés se enroscam num aquecimento mútuo. mas sempre próximos, como que a ser a base de tudo. o principio do equilíbrio entre duas pessoas. os pés, sendo da parte do corpo mais resistente, são também das mais sensíveis: bipolaridade estranha esta entre força e sensibilidade. há pessoas que são assim - muito pés. são as que eu mais gosto, porque são as mais próximas da terra, as mais calejadas. são extra sensíveis, boas, mas muito práticas, e com uma resistência capaz de caminhar todas as montanhas..

:: espreguiçar

outubro 07, 2013


' espreguiçar: tirar a preguiça, esticar os braços ou pernas, por indolência, ou sonos, espraiar-se..
dizem os estudos que devemos espreguiçar-nos varias vezes ao dia para combater o stress, acalmar os músculos e melhorar a circulação. assino por baixo, e além disso, faço o exercício de algumas vezes por ano espreguiçar-me mesmo 2/3 dias seguidos. no sentido puro, de quem desliga o botão e se enfia no meio de algum nada, sem nada para fazer, nada para tratar, nada para chegar a horas. uma forma de espreguiçamento mental.

quando esses dias de acalmaria envolvem praia, não pode faltar a espreguiçadeira, óbvio! para mim, praia em modo descanso, sem esta coisa, não é praia. o conjunto chapéu-espreguiçadeira-almofada garante a qualidade do espreguiçanso: menos vizinhos, sombra garantida, areia exclusiva, e posição confortável. por isto, este deve ser um dos nomes mais bem aplicados da nossa língua. efectivamente a espreguiçadeira cumpre o seu objectivo: para dormir (esticada), para apanhar sol (encolhida, posição 2), para ler (encolhida, posição 3). alem do conforto, a posição de estar um pouco acima da areia, mas ao seu alcance fácil, deixa a opção de cada momento: sentir o toque suave da toalha, ou o pé a enterrar nos grãos da areia..

deviam inventar uma coisa parecida, mas para a cabeça. escolhia-se a posição e cumpria-se a tarefa: descansar, dormir, ler, pensar, trabalhar. era simples. mas não havendo ainda registo de tal botão mecânico, resta-nos saber gerir a coisa. há pessoas que conseguem separar tudo, quase função matemática: enquanto descanso, não acordo, enquanto trabalho, não me divirto, enquanto me divirto, não penso. enquanto amo, não me divirto. outros, como eu, somos uma mistura pegada, bipolares de fracções de segundo, que no meio do descanso se lembram de uma solução do trabalho, que param uma reunião só para dizer uma ideia piada, que se riem despregados enquanto amam, ou param um jogo de futebol para mandar um poema..

levar a vida assim, garante uma cabeça mais solta, a saltar entre tarefas, mais criativa e mais realizada. tramado é viver ao nosso lado. quando se pergunta: "- como vai ser o teu dia?" e a resposta: "- sei lá!".. nem na próxima meia hora sei eu vou fazer, se amar, trabalhar, ou divertir-me, quanto mais o dia. conseguir gerir a agenda com as pessoas normais e manter esta espontaneidade cansa muito, mas garante uma cabeça funcional, intensa, uma alma preenchida e de saúde perfeita.  então, mas e o corpo cansado? olha, que espreguice de vez em quando, ao longo do dia. ou vá uns dias, seguidos, numa praia qualquer. afinal, é para isso que se fizeram as espreguiçadeiras, certo?..

:: outono ao sul

outubro 04, 2013

tenho a mania de fazer as coisas fora de época, contra a corrente.
musicas, livros, filmes, gosto de ser eu a descobri-los quando ainda são anónimos. quando já todos os conhecem, perco o interesse. o mesmo com os sítios onde me divirto: cafés, esplanadas, praias, castelos, todos os cantos das cidades.. gosto quando são só meus e de mais poucos alguns. quando se enchem, ficam desinteressantes. talvez por causa deste vicio, gosto mais do Algarve nestes primeiros dias de outubro. dia de semana, meia-noite, sair de lisboa com chuva cinzenta e ir descendo rumo ao sul noite dentro: viagem única. primeiro a chuva parou. ali por Alcácer ja se viam as estrelas no céu limpo. mais abaixo em Grândola, aquele cheiro da planície quente alentejana. a chegar ao Algarve, já de janela aberta, passa a brisa de cheiro a maresia.

acordar no dia seguinte e ver o sol a brilhar no mar. o som calmo das ondas, o areal imenso vazio. a espreguiçadeira na primeira fila, sem vizinhos, sem miúdos aos pulos, sem gente a falar alto. só o mar, o silencio, algumas pessoas a caminhar, devagar. turistas, ninguém fala português. passar o dia em silencio, trocar palavras curtas, mas simpáticas, com o nadador salvador:
- 23 graus a agua? ja viu os dias que apanhou?
já vi sim, apanho sempre. os primeiros de outubro sempre assim. voltar a vestir as camisas de linho, andar descalço, tomar banhos de horas na água do mar, mais quente que o ar da praia. na esplanada, sobre o areal, vazia, a musica agora ouve-se, os empregados sao mais simpáticos, e as amêijoas, ainda com sabor a verão, comem-se mais lentas.

e ao fim do dia o pôr-do-sol. que no outono é diferente, mais vermelho, mais intenso, mais raro - e lá esta, por isso, por ser mais raro -, mais saboroso. estes dias da primeira semana de outubro sao um dos melhores segredos do Algarve. limpeza de alma, começar assim o outono.
trocar as estações, troca os sentidos, e limpa a cabeça quadrada das marcações do calendário oficial. faz nos carregar energias quando os outros ja as consomem desenfreados. vantagem competitiva. mas amanha já é sábado. a praia vai ter mais gente, mais pessoas, menos espaço. está na hora de partir, com as baterias carregadas e o brilho na pele do bronze de outono.
mais intenso, mais raro, e por isso, mais saboroso..

:: pequenas boas mentiras

setembro 28, 2013



na vida ganhei um hábito, que, apesar da luta, ainda me sai automático algumas vezes: as pequenas boas mentiras. aquelas mentirinhas que usamos quando - para não magoar, chatear, ou simplesmente preocupar quem gostamos -, tentamos esconder, disfarçar, ou simplesmente ocultar pequenos gestos, ou factos que são mais difíceis de consensualizar. não é enganar, porque não estamos a fazer nada de mal, mas apenas porque assim (nos) poupamos uma conversa chata e dúbia. a pequena boa mentira mais famosa é a 'dor da cabeça' das mulheres quando não estão viradas para o lado carnal e simplesmente não apetece explicar o porquê. a segunda, ainda das mulheres é o 'não tenho nada' - embora aqui seja mais um alerta do que uma mentira. a pequena boa mentira entre familiares normalmente tem a ver com saúde: dizemos sempre que não temos nada de especial, quando afinal ja sabemos que estávamos mesmo doentes.

mas as pequenas boas mentiras têm em si uma boa intenção: não magoar quem gostamos. aquela ilusão do 'para quê preocupá-lo, se tudo se vai resolver'. o problema é que isto só funciona quando estas mentiras respeitam duas regras:
i/ sao pequenas. isto é, não se trata de nada de grave, de uma traição, de uma falha de personalidade, de uma mentira insuportável. nada que, se soubesse, pusesse em causa o quer que seja. são apenas pequenos detalhes do dia a dia que podem passar sem chatear ninguém.
ii/ serem mesmo boas. porque quando sao más mentiras, rapidamente se apanha a verdade, e aí, entramos num campo muito estranho, da falta de confiança, de dúvida permanente, que mina qualquer relação a longo-prazo.

para quem, como eu, passou anos a dizer pequenas boas mentiras, é muito fácil detectá-las nas pessoas que nos rodeiam. basta sabermos que podem existir, e que aquele momento será propício: aquelas situações em que já sabemos que, mesmo sem fazer nada de mal, alguém nos pode magoar e vai evitar, na boa fé, dizer-nos. nesses momentos, ficamos com o radar ligado, e a qualquer declaração suspeita, questionamos e vamos verificar, mesmo quando não devíamos. e depois, dói, magoa nas entranhas, perceber que era mesmo mentira. pequena, porque não foi uma falha. boa, porque a ideia era proteger-mos. mas mesmo assim uma mentira. que quebra a confiança, que quebra a certeza. ou não.. porque como dizia a mais frontal - e acertada - das minhas amigas: - ouve lá meu idiota, passaste a vida a dizer pequenas boas mentiras, e não é por isso que não és uma boa pessoa!!
e pronto, é isto. passar à frente com um pequeno bom perdão. porque quando somos tão iguais, conhecemos tudo. até as pequenas - doces - boas mentiras..

:: hapinness is what i call fashion

setembro 24, 2013



hapinness is what i call fashion*
li esta frase há muitos anos numa capa de revista e ficou-me na cabeça. porque é uma verdade tão absoluta. sendo que a alegria aqui não é apenas um sorriso, uma piadola, ou uma gargalhada escancarada. não, entenda-se alegria aqui como o brilho da pessoa: é aquela coisa que não sabemos descrever, mas que sai da pele, da cor dos olhos, da forma como os lábios se movem, da forma como se olha. até da forma como se respira. e aqui não há brilhos perfeitos, piores, ou melhores. há brilhos diferentes. algumas pessoas tem peles mate, outras acetinadas, outras com uma tez brilhante. umas soltam o brilho num riso, outras num berro. há pessoas que de tanto (quererem) brilhar, ofuscam tudo à sua volta. incomodam. outras pessoas que de tão pouco brilho, parece que nos puxam para o fundo de um poço. é sempre tudo pesado ali. outras quase transparentes, em que nem brilho, nem parede, nem alma. tornam-se indiferentes.

mas o que importa não é tanto o que se é, mas o que se provoca em com quem estamos.
não é tanto a alegria que temos, mas a capacidade de a transmitir, de a partilhar, de envolver quem nos rodeia nesse brilho, nesse "hapinness". os brilhos mais perfeitos são aqueles que são espelho e luz ao mesmo tempo. em que nos reflectimos e nos iluminamos só com a sua presença. aquelas pessoas que entram numa sala, num carro, numa conversa, e enchem a coisa de energias boas, de risos suaves, mas puros. de toques leves na mão, mas que arrepiam na espinha.
tramada é a gestão do brilho. porque há dias em que não há alegria, nem alma, que resista a tanta adversidade. entre trabalho, mal-entendidos, palavras mal ditas, vontades que não se cruzam naquele momento, o brilho vai-se perdendo. desgasta-se. há horas, dias, semanas, em que sentimos menos alegria, menos paciência, até para os que gostamos. saber gerir isso é quase uma arte. dar espaço quando os outros precisam. recolher ao nosso espaço quando nós precisamos. sim, porque o brilho precisa de carregar as baterias: numa noite bem dormida, num jantar solitário, num domingo fechado em casa com aquelas musicas. ás vezes, só quando se chora perdidamente se limpa o brilho. quase reciclagem material, polimento das pratas oculares..

quando sabemos que estamos na frente de alguém único?
quando o nosso brilho ao seu lado é cada dia mais intenso. quando nos sentimos crescer, cheios de energia, cheios de uma resistência que nem suspeitávamos que tínhamos, cheios de uma vontade, simplificadora, de apenas querer estar bem, feliz, em paz. quando mesmo no meio do caos, da confusão, dos dias pesados, basta um olhar cruzado dessa pessoa e sentimo-nos iluminados. quando um abraço chega para sentir sossego. e aqui tem pouco a ver com o que cada um é.  tem sim a ver com o que duas pessoas juntas são. a tal soma em que 1+1 é mais que 2. quando sentimos que ao lado desse alguém somos melhores pessoas, mais completas e mais completantes. em que sabemos que a nossa luz aumentou, apenas, porque encontrou - finalmente - o espelho certo para se projectar.
' o brilho dos meus olhos é apenas o reflexo dos teus..' é a coisa mais bonita, não de se dizer, mas de se sentir. e tu, fazes-me sentir isso a cada segundo, a cada olhar, a cada riso. obrigado por seres o melhor reflexo do meu brilho..

:: esbardallar

setembro 04, 2013



ESBARDALLAR: deshacer una cosa, una pila o montón de cosas; deshacer un monton de leña picada; espargir os montões de esterco para adubar a terra nos cultivos; desbaratar, desbandar; 
despotricar; hablar sin tasa ni medida. estender, esparcir. decir tonterías y necedades, hablar a tontas y a locas. desbandar, desbaratar. huir en desorden.

tenho para mim uma lei há muitos anos: a dimensão de tudo o que sentimos é relativa à importância do que já vivemos: os problemas, os amores, as angustias, a capacidade de trabalho. por exemplo, se já tivermos organizado uma festa para 500 pessoas, fazê-la para 5 é peanuts. melhor: se já tivermos subido ao everest, subir ali a serra de sintra faz-se com uma perna as costas. assim, sugestão para viver bem, é termos picos de qualquer coisa que nos obrigue a sair da normalidade, qualquer coisa que obrigue a sair da tal "caixa", da "zona de conforto, para que, quando voltarmos, tudo pareça mais simples, menos dramático e mais leve. e melhor de viver.

por isso, esbardalhar-nos de vez em quando, dá saúde e faz crescer.
esbardalhar, ao contrário do que dizem os dicionários, não é uma queda no chão. é antes uma quase queda: é aquele momento em que sabemos que podemos baixar os braços, dizer as maiores parvoíces, rir de tudo, discutir do nada, dizer só por dizer, andar só por andar. basicamente em que fazemos o que nos dá na real gana, só porque sim. mas, atenção, porque sabemos que podemos cair ali, onde nunca vamos chegar ao chão. no máximo um arranhãozito, daqueles que tem história engraçada para contar.
esbardalhar é fazer quase-merda: é beber demais noite dentro, é dançar até torcer o pé, é correr descalço na rua, é discutir à chuva, é chamar nomes, atirar com um balde de água e dizer aos gritos que "nunca mais te quero ver"e a seguir rebentar a chorar a pedir desculpa. é não dormir, não deitar, não falar. é andar de carro sem destino, é ir a praia às quatro da manhã, ir ao mercado antes de abrir e subir o muro do museu depois dele fechar. fazer quase-merda. só porque sim.

está bom de ver que esbardalhar assiduamente com quem amamos é tipo limpeza vernácula. como dizem os galegos "espargir os montões de esterco para adubar a terra nos cultivos".
é aquele momento em que dizemos tudo: o cíume que temos entalado - mas que se diz na brincadeira; a raiva que ficou retida por algum gesto mal pensado - mas que se diz com carinho; as perguntas que não sabíamos em que contexto fazer - mas que encaixam logo na frase mais simples; a palavra amor que ainda não tínhamos coragem de dizer - mas que sai solta a 200 - "amo-te estúpida!"..; ou aquele poema lamechas - mas que por entre lágrimas e ruas escuras, até parece cena de filme. esbardalhar é pôr a merda cá fora, soltar, limpar a alma e as palavras guardadas, mas num contexto de brincadeira, de festa, de "tonteria", em que nada se lava a mal, quase noite de carnaval da relação.
tenho tido esbardalhanços notáveis, uns mais sérios, mas também por isso com um efeito limpeza maior, outros, os melhores, mais divertidos, em que de repente se olha para o relógio e se diz: o quê, já!? mas que se continua o "já" noite dentro, manhã dentro, dia dentro. fazer uma directa a esbardalhar tem um efeito notável no dia a seguir: nunca sabemos se o corpo dormente é da falta de sono ou da felicidade extrema. uma coisa é certa, a normalidade dos dias seguintes é bem mais saborosa de viver..

:: o depois de..

setembro 02, 2013



- Bourdain, o que devo cozinhar para impressionar uma mulher?
- o pequeno-almoço. nessa altura você já teve o que queria. por isso, é um gesto generoso, altruísta. faça algo simpático como acordar mais cedo e faça uma omeleta como deve ser, com a forma perfeita, talvez um pouco de caviar no topo. diz muito sobre si, implica uma certa sensibilidade, uma generosidade..'

nas coisas que nos marcam na vida, 'o depois de' é sempre tão importante como o 'de' em si.
não é o que se vive, o que se diz, ou o que se faz, que acaba por marcar. é sempre o depois disso. o que se viveu depois, o que se disse ou fez depois. quando temos um jantar, mais que o dito, é o que fazemos depois que marca. jantares há muitos. daqueles que acabam onde começa uma boa noite de festa, há menos. daqueles inesquecíveis que acabam com histórias para contar a vida inteira? raros.
quando vou ao cinema, a um concerto, a uma exposição, gosto de sair e parar nalgum balcão a falar sobre o que se viveu ali. é a percepção do que se passou que marca. não apenas o que se passou.
sempre que dizemos algo importante, a um familiar, a um amigo, a quem amamos, não é só o que dizemos que é importante. o 'depois de' é essencial: seja um grito, um abraço, um brilho no olhar, ou o silêncio, apenas. a percepção do que dissemos é tão importante como o que se disse em si.

quando um casal faz amor, o 'antes de' e o 'depois de' são a marca que fica. terminado o momento, o 'depois de' é que nos diz o valor do que acabou de acontecer. um olhar, um gesto, uma lágrima que escorre, um suspiro, uma palavra. qualquer coisa tem de acontecer. hábito perfeito: um riso bom e um cigarro partilhado. um garrafa de água, um doce, e uma conversa tola às 4 da manhã. o que dizem? que 'o depois de' continua a ser daquelas duas pessoas. agora ainda mais próximas, mais soltas, mais de bem com a vida e com elas. continuar a conversa tola até o dia nascer, isso sim, coisa rara e única. como diz uma das minhas frases preferidas, cada vez mais sentida:
- qual é o teu tipo de amanhecer perfeito? o que começou na noite anterior..


' Antonhy Bourdain em entrevista ao Expresso

:: trust/truth

agosto 28, 2013



nestas coisas das relações, a maioria dos sentimentos que temos pelo outro nascem em nós. truque baixo da mente, egoísta e egocêntrica de merda, que nos faz projectar nos outros o que sentimos na nossa pessoa. as dúvidas, os medos, mas também o excesso de confiança, a entrega em demasia. é assim com o ciúme (que nasce da nossa insegurança), é assim com a confiança no outro (que nasce da dúvida da nossa seriedade). e até o amor: não se ama alguém porque a pessoa é assim ou assado. não, ama-se o que a pessoa provoca em nós, o que nos faz sentir com a sua forma de ser e viver. egoísmo puro.

mas acima do amor, está a confiança. confiar, mesmo, de verdade, é algo que raramente se atinge. e por norma, quanto mais difícil a situação, mais se testa a confiança. confiar no marinheiro quando o tempo está bom e o mar calmo, isso é fácil. agora confiar no marinheiro no meio de uma tempestade, em mar alto e com a vela rasgada.. aí sim, é preciso mérito. de quem confia - porque acredita-, e de quem é confiável - porque faz acreditar. tramado da confiança é que ela não se treina. não podemos querer confiar, não é uma coisa que se queria ter. a confiança é algo demasiado inconsciente para poder ser gerida. ou existe ou não existe. resulta pouco de palavras ou intenções. tem a ver com os actos. com os gestos: o que se faz, como se faz, e como se diz que se faz. sim, porque aqui também não basta ser, é preciso parecer.

não questionar ou não ter dúvidas não é confiar. isso é a cegueira. não é aguentar, ou tolerar o que magoa só porque se ama. isso são analgésicos: aliviam a dor, mas não tratam a doença. confiar é questionar tudo. mas com coragem de mexer onde vai doer. é pôr todas as duvidas na mesa para que sejam esclarecidas. por isso a verdade e a confiança estão tão juntas. uma implica a outra. e os momentos de maior crescimento não são os de falinhas mansas e promessas de amor eterno. a certeza cresce é nos momentos das grandes diferenças de opinião, das conversas duras e amargas, em que todos os filtros caem, em que dizem as palavras mais estúpidas, em que o inconsciente salta todo cá para fora, e, coisa autónoma, diz tudo o que lhe apetece: o que achamos verdade e as coisas que até nem concordamos. mas em que algum momento nos passaram pela cabeça.
por muito que doa, por muito que magoe, só quando se perguntam as coisas difíceis - e se respondem - se sossega a confiança. e na vida não há mais paz que isso: ver quem nos quer, a enfrentar-nos, a questionar, a ter a coragem de perguntar. não porque não saiba já as respostas, mas apenas porque as precisa de ouvir na nossa boca. sincera.

:: a minha mulher

agosto 21, 2013


'mulher' deve ser um dos termos mais mal tratados da nossa língua.
tão mal empregue que fica despido do seu ar imperativo, forte e imponente, que é, cada mulher em si. em todas as outras línguas, há sempre um marco com a palavra 'mulher'. no francês "femme" tem algo de misterioso, sempre bem adjectivado: a 'femme' fatale. no inglês, remete para algo poderoso, mesmo quando frágil: a 'woman' under the influence..
no italiano, a força da alma está lá: la 'donna' é mobile. até os nosso vizinhos, broncos e brutos, conseguem pôr toda a furia nas "mujeres' al borde de un ataque de nervios. ou, os nossos irmãos, adocicados pelo clima: receita de 'mulher' é a letra mais bonita - e mais certa -, do senhor vinicius..

por mim, vou continuar a insistir, e a dizer sempre 'a minha mulher' de peito cheio e grito alto! porque se o digo é pelo orgulho de ela ser um pouco minha, no sentido de que me quer, que me gosta, de que me acompanha. não no sentido de posse - quadrado e limitativo - mas sim, na forma completa da palavra: a mulher fatal, bela, carnal, volúvel e sensível.
a minha mulher, não é porque ela é minha. bem pelo contrário, é porque é a mulher em que eu sou alguém, me completo, me entrego. digo minha, só para disfarçar a fraqueza de que eu é que sou dela. quando ela quiser, onde e na forma que me quiser.. desde que seja minha.

wherever, whenever.. whatever.

:: porquê?

agosto 21, 2013



- não vai explicar?
- não.
- porquê?
- porque não..

e se viver ultrapassa todo entendimento, eu digo baixinho para o grão de gergelim:
"resista à tentação de explicar tudo."
explicação é chato. sinta. assim como senti ao acordar que hoje era o dia mais incrível da minha vida. sinta. sem porquês, sem teoria. faça mais e fale menos. não perca tempo pensando por que os homens ou as mulheres têm medo de compromisso. faça melhor: saiba que você só tem um compromisso pra vida inteira, e é com a sua pessoa. e isso já é responsabilidade demais pra um ser humano. não seja o professor, o educador ou o instrutor. seja o exemplo. e também, ainda, não perca tempo pensando por que as pessoas tem que aprender as regras antes de quebrá-las ou por que a sua fila é sempre a mais lenta..

pare de se comparar porque SEMPRE vai existir alguém que fica e alguém que vai. sempre vai existir alguém que ganha e alguém que perde. alguém que diz primeiro. e ao se comparar se perde tempo de se admirar, de se melhorar, de ser o exemplo. em poucas palavras.. deixe sua vida ser o poema épico que deve ser. e deixe para os outros a tarefa de entender o porquê,
enquanto você estiver vivendo.

d'aqui: orabossa.blogspot.pt

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