:: clínico geral

julho 24, 2014



'temo o homem de um livro só'
_Tomás de Aquino


o doutor Rui é o meu médico. será sempre. esteja longe ou perto, ele sabe sempre o melhor para mim, nem que seja numa consulta por telefone - e já foram tantas. porque é bom especialista? não, pelo contrário, porque não tendo nenhuma especialidade - é clínico geral-, sabe de tudo mais que ninguém. médico do corpo, mas também da alma, da vida, do trabalho, da família. depois, também é filósofo, é pintor, foi político - dos bons -, já tentou ser mecânico, engenheiro, e aposto que deve ter sido o arquitecto lá de casa. além disso, sabe falar sempre com aquele bom humor de quem leva, mesmo nos dias maus, uma vida boa. mistura fina de intelectual e homem da aldeia, salta do mais profundo dos pensamentos para uma caralhada inesperada, da mais sentimental das frases, para uma piada das inteligentes: daquelas que são um gozo bom com quem gostamos - as que nos fazem rir de nós próprios.

o doutor Rui é um dos meus ídolos. daqueles que olhamos com admiração desde pequenos e que, um dia, sonhamos ser iguais. acima de tudo porque ele é um homem de vários livros, de várias culturas, de várias fontes. espécie em vias de extinção! sim, porque nesta era da super-especialização só vejo pessoas a afunilar o caminho: vão por ali, com umas palas, e dali não saem. e não estou a falar só de trabalho. de tudo: percebem de vinhos, mas nada sabem de música. declamam poesia, mas não conseguem soltar um riso. dissertam sobre economia, mas não sabem abrir a porta a uma mulher. são apaixonados, mas não sabem ser safados. são divertidos, mas não sabem ser irónicos. e que diferença faz. o problema é que a maioria faltou ao livro que diferencia: o da inteligência emocional - onde se aprende aquela coisa 'simples' de saber apreciar a vida. em todas as suas facetas, em todas as suas possibilidades. aquela coisa de saber viver com emoção. saber dar, saber receber, saber perceber o outro. saber entender (e apreciar) cada detalhe.

somos a soma do que vivemos. dos vários caminhos que percorremos. por isso quanto mais especialidades se espreitou, mais se cresceu. o teste do algodão é a música: quem apenas gosta de um estilo, de uma certa década, de um certo funil estreito, é sinal que não tem a mente aberta, atenta, curiosa. quem não vai das músicas dos avós à musica dos filhos, é porque se perdeu algures num momento da vida. e ali ficou preso. pode-se viver bem assim? claro, não se pode é viver tanto.
por isso, hoje, já a caminhar para os 40, sou um gajo feliz por ter sabido ler os livros certos, na altura certa. hoje sei o que sou: um clinico geral da vida. daqueles que vivem desenfreadamente todas as possibilidades que o destino lhes dá. ou, pelo menos, todas as que quero viver. sério no trabalho, sou uma criança nas brincadeiras. amigo do amigo, interessa-me a alma - e o riso - dos que me rodeiam. mais que louco apaixonado, sou um safado bom. mais que amar, cuido. mais que ler, escrevo. mais que ouvir, vibro com a música que descubro. mais que ver, tenho prazer no que olho: uma paisagem, um objecto. um corpo. mais do que saborear, lambuzo-me. mais do que ser, sozinho, entrego-me a com quem sou, junto. e vive-se bem assim? vive-se mais assim..

3 comments

  1. foda-se...

    muito bom! bem dito o dia que descobri este blogue :-) traz-me esperança... :-)

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  2. Anónimo5.6.14

    Clinica geral é sim uma especialidade e daquelas que têm mais anos, exatamente porque tem que perceber de tudo, embora não a fundo, mas ao ponto de saber encaminhar as pessoas para outras especialidades quando necessário!

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  3. Anónimo11.6.14

    Adoro a tua escrita e prendo-me em algumas palavras, frases com que me identifico "u uma criança nas brincadeiras. amigo do amigo, interessa-me a alma - e o riso - dos que me rodeiam. mais que louco apaixonado, sou um safado bom. mais que amar, cuido. mais que ler, escrevo. mais que ouvir, vibro com a música que descubro. mais que ver, tenho prazer no que olho: uma paisagem, um objecto. um corpo. mais do que saborear, lambuzo-me. mais do que ser, sozinho, entrego-me a com quem sou, junto. e vive-se bem assim? vive-se mais assim..."
    Bem-hajas

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